terça-feira, 15 de outubro de 2013

Senhor, tu me enganaste, e fui enganado

Izaias Santos (Zion)
Caio Fábio observou que para conquistar o mundo não é necessário fé em Deus. Um pouco de loucura ajuda muito mais. Alexandre, o Grande, conseguiu isso sem auto-ajuda de marketeiro capitalista e sem corrente da prosperidade. Jesus não disse que era impossível. Apenas perguntou: “O que adianta?”. Interessante.Décadas atrás eu achei que varreríamos o mundo com o vinho novo do evangelho. Que as pessoas teriam a alma salva; sairiam da miséria humana e alcançariam harmonia em seu lar. Não contava que, a exemplo do catolicismo, a igreja mais uma vez se tornaria um vinho amargo e com alto teor alcoólico. O grande problema é que fomos catequizados a pensar que a única forma de realizar a “obra de Deus” é fazendo parte da instituição organizada. Por isso, quando nos decepcionamos com a organização destas, transferimos esse desgosto ao nosso designo, chamado, mandamento, seja lá o nome que você dê a isso.
O desígnio, aquilo que te faz morrer por ele, não te abandona. Jamais. Foi deste modo que não fui capaz de construir uma vida linear ou vertical, sem que todo o peso de ser um discípulo, profeta, pregador, louco ou voz de deserto, me perseguisse.
William Tyndale chegou ao ponto de viver clandestinamente, sem pensar em construir uma vida, uma carreira, apesar de todos os anos de vida acadêmica. Seu único objetivo de vida era traduzir a bíblia para língua inglesa para que todos tivessem acesso à palavra de Deus em seu país. Pagou com a própria vida. Outro exemplo é John Eliot, que ficou 14 anos numa tribo da América do Norte para aprender a língua nativa, e mais cinco anos para fazer uma bíblia que esses indígenas pudessem compreender.
Por mais superficial e cretino que seja o mundo, a gente sempre acha que pode amar e espalhar amor. Que a humanidade não pode ser tão amarga quanto à violência, política, consumismo, degradação social, ambiental e humana que vivemos. Esse fio de esperança que fica queimando por dentro é fogo. É terrível.
Estava analisando a versão de uma bíblia para dá-la a minha filha, e acabei me deparando novamente com Jeremias 20:7. É interessante como na NVI do profeta diz:”Senhor, tu me enganaste, e fui enganado”. Na Almeida RC não é menos pesado: “Iludiste-me, ó Senhor e iludido fiquei”.  Na Almeida RA já começa a suavizar: “Seduziste-me ó Senhor, e fui seduzido”.  Somente na Bíblia Viva, a versão que escolhi para minha filha é que vai apaziguar de vez, pelo menos nas palavras, a situação com Deus: “O Senhor me convenceu a ser profeta, eu aceitei achando que seria protegido”.
Isso me fez lá pelas tantas da madrugada procurar no Youtube uma meditação sobre esse texto que me dilacera cada vez que ouço. O pregador cita Abraham Joshua Heschel, naquela obra O Profeta, onde ele diz que o profeta não recebe uma mensagem, mas recebe o coração de Deus. Passa sentir com esse coração e por isso, a maioria das vezes, tanta dor está presente em seu ministério. Trocando em miúdos.
Eu já disse pra Deus mais de uma vez: Deus me deixe em paz. Não há nada o que eu possa fazer. Preguei em templos, praças, ruas, varandas e salas de apartamentos. Batizei na praia, cachoeira, na piscina, com balde e caneco. Falei, escrevi, publiquei, debati, panfletei, pintei e cantei. Ajudei ONGs, distribui comida, arrecadei doações, fiz campanhas.  Organizei algum numero de pessoas. Mas não dá. Não resolve. As pessoas não querem saber de papinho de amar como Jesus. As pessoas querem futebol, grifes, novelas, Ipads, Iphones, carros, baladas, corpos e cabelos.  Eu não tenho nada que acrescentar nessa sociedade. Então me deixe quieto vendo minha grama crescer.
“Mas se digo: não o mencionarei nem falarei o seu nome. Suas palavras queimam como fogo no meu coração e nos meus ossos; estou exausto tentando contê-lo; já não posso mais agüentar” (Jr 20:9).
Leio e releio essas palavras e não há como não chorar. Pergunto: mais um livro? Um site?  Mais um texto? Onde será a próxima sala ou varanda para uma meditação bíblica? Talvez me juntar aos guerreiros loucos das praças, empunhando um bíblia e dizer: Sim, o Reino de Deus já chegou. E é de graça. Venham todos!
Gastei um tempo meditando nisso tudo. Peguei a Bíblia em Ordem Cronológica, e vi uma sincronização entre Marcos 1:35-39 e Lucas 4:42-44, onde fala que Jesus depois de ter feito um monte de milagres e pregações, saiu de madrugada para orar sozinho. Quando seus discípulos o encontraram e disseram que a multidão o procurava, ele disse: vamos para outras cidades anunciar as boas novas do Reino de Deus.
Isso é um convite a pausas. Momentos de reflexões e diálogos francos com Deus para então vir uma direção. Notei que Jesus queria propagar o reino. Mas não queria virar o arroz de festa milagreiro. Queria uma direção espiritual para seu trabalho. Mesmo que para os discípulos não parecesse uma coisa muito lógica abandonar todo aquele oba-oba para seguir a estrada empoeirada.
Não sei por quanto tempo terei que comer poeira. Mas tudo indica que depois da pausa devo seguir adiante. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário